segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

NOVIDADES NO EAD NACIONAL: CENÁRIO ABRE POSSIBILIDADES PARA O ENSINO TÉCNICO

A formação técnica mais próxima, graças ao ensino a distância

Luciana Rosário - Folha Dirigida


Carioca, com doutorado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (1984), e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Eduardo Bielschowsky iniciou neste ano mais um desafio em sua carreira educacional. Ele assumiu a Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação (Seed/MEC), em maio. O educador, que também foi o organizador do Consórcio Cederj (Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro), está liderando um projeto de expansão do ensino técnico através da Escola Técnica Aberta do Brasil (E-Tec). O programa está recebendo os projetos das instituições de ensino até o dia 15 de setembro e avaliará essas propostas até dezembro. Os cursos técnicos a distância iniciarão em março de 2008, de acordo com o edital. Para o professor, este é um passo importante para a democratização do acesso ao ensino técnico público, visando levar cursos técnicos a regiões distantes das instituições de ensino técnico e para a periferia das grandes cidades brasileiras, incentivando os jovens a concluírem o ensino médio. Confira a entrevista completa:


Atualmente, quais são os planos do Ministério da Educação?


Bielschowsky: O MEC passa por um momento muito produtivo. Temos o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) que é a junção dos governos federal, estaduais e municipais. Ele é composto por três ações distintas e de grande impacto, que vão desde a educação infantil até a pós-graduação.


No ensino básico, as preocupações são com o transporte gratuito, com a alimentação escolar e o programa Brasil Alfabetizado. O PDE vai acrescentar no orçamento da educação brasileira, ao longo dos próximos anos, um volume significativo de recursos. É um momento significativo da educação brasileira, em que o ensino superior passa por uma expansão das universidades federais e também do ensino técnico através do Cefet, com uma rede de ensino tecnológico. Com relação à educação a distância e às novas tecnologias, destaco três componentes muito importantes: a Universidade Aberta do Brasil, o ensino técnico a distância, com o programa E-TEC Brasil, e o fortalecimento do governo com a implementação de novas tecnologias educacionais nas escolas. É uma determinação do presidente que todas as escolas públicas brasileiras tenham laboratórios de informática nos próximos quatro anos. Estamos falando de 142 mil escolas no país.


No que consiste o projeto E-TEC Brasil e quem pode participar?


Bielschowsky: Em primeiro lugar é importante falar um pouco sobre o ensino técnico a distância. A idéia é que seja implementado para jovens que moram na periferia das grandes cidades, visando dar uma oportunidade para estes jovens percorrerem uma trilha de empregabilidade. Esse ensino técnico será concomitante ao ensino médio. Ou seja, o jovem está fazendo o ensino médio numa escola pública e estadual da periferia de uma grande cidade e, durante seu curso, ele já começa a fazer um ensino técnico voltado para o profissional. Um meio que possa colocá-lo no mercado de trabalho. Nós já temos indicações de que poderíamos instalar um pólo desses na Rocinha e outro na comunidade da Maré. São dois lugares em potencial para desenvolver as ações no Rio de Janeiro. O mesmo se processará em todo o país. Além disso, nós temos interesse em fortalecer os arranjos produtivos locais no interior do Brasil, que é uma outra demanda importante se for observada nacionalmente. É importante desenvolver e manter a atividade econômica no interior e evitar o fluxo migratório para as grandes cidades. Os alunos recebem o material didático de qualidade, terão encontros presenciais nos pólos regionais e também acesso aos laboratórios. A freqüência desse aluno vai ser a mesma da escola. Portanto, o aluno vai estar na escola e poderá sem nenhum prejuízo do aproveitamento escolar, frequentar o pólo. Se os alunos têm aulas no horário da manhã, poderão estar no pólo no período da tarde, eventualmente às 17 e 18 horas, ou aos sábados e domingos. Essa integração é importante para que o estudante possa caminhar dois cursos de maneira mais integrada. É muito importante dar suporte para encaminhar nossos jovens ao mercado formal para que possam construir a vida dentro da sociedade e contribuir para a evolução da mesma. O presidente Lula e o ministro Fernando Haddad, da Educação, se preocupam com a inclusão dos jovens no mercado de trabalho. Prioritariamente, são para os que moram nas periferias das grandes cidades. O governo tem essa sensibilidade.


Mas não é simplesmente o problema do jovem fazer uma boa educação básica, um bom ensino médio. Na verdade, os estudantes são prejudicados por todos os problemas de se viver na periferia, sem condições de vir até os grandes centros. Por isso o ensino semi-presencial?


Bielschowsky: Por um lado sim. Mas, por outro, a educação a distância permite a entrada no interior do Brasil. Nesse aspecto, entra o outro componente que são os arranjos produtivos locais. Outra coisa importante é que a educação técnica permite atender uma determinada demanda numa temporalidade. Por exemplo, podemos oferecer um curso de soldagem durante um período de dois anos, para atender uma demanda de empregabilidade de uma determinada região e depois "descontinuar" este curso. Há essa flexibilidade de oferta. Estamos com edital lançado, com dois componentes, as escolas e os governos estaduais e municipais. Todos em colaboração com o governo federal. Entram as escolas técnicas federais (Cefets), agrícolas, das universidades federais e as estaduais. Ou seja, a nata da educação profissional no Brasil. Tivemos um seminário no Paraná e pudemos perceber, com a freqüência quase total, uma repercussão muito positiva - e estamos muito animados. Este projeto é realizado pela Seed, junto com a Secretaria de Ensino Técnico do MEC, e achamos que será um marco para a educação profissional no Brasil. A proposta é de construção de mil pólos para a educação profissional a distância nos próximos quatro anos. E isso tem que ser feito em paralelo com o ensino médio formal. A idéia dessa parceria é fecharmos o ciclo de ensino médio formal e ensino técnico, com um mapa nacional dessa demanda.


Como funcionará esse ensino técnico a distância?


Bielschowsky: Haverá um lugar onde o aluno poderá estudar, consultar uma boa biblioteca e um laboratório de informática em rede. Porque, muitas vezes, a população não tem um bom ambiente de estudos em casa. Teremos algumas salas com tutoria presencial e de videoconferência. Além de termos laboratórios de acordo com cada profissão. Esses convênios estão sendo estabelecidos. São cursos fortes, de 1.200 a 1.300 horas de aula, e nós temos segurança de que no final desse processo o aluno terá a mesma qualificação como se estivesse frequentando um Cefet normalmente. Geralmente, um curso como esse dura cerca de dois anos, mas depende da carreira. Estes cursos estão sendo desenhados para que nas primeiras 280 horas já possibilitem ao aluno ter algum tipo de atividade profissional. Ele começa com a alfabetização digital, um pouco de letramento e bases para trabalhar, inicialmente.
Esses alunos serão completamente independentes, com relação à quantidade e qualidade de estudo que eles irão praticar em casa e nos pólos. Como prepará-los para essa mudança, já que eles vêm de um ensino regular e presencial?


Bielschowsky: Eles não são completamente independentes, mas são mais independentes do que os outros. A educação a distância traz um componente muito importante no processo de ensino e aprendizagem. Às vezes, as pessoas pensam que este tipo de educação está crescendo muito por causa das novas tecnologias. É verdade, porque este é um elemento importante, mas o principal é que inerente ao método está a busca de autonomia do processo de aprendizado do aluno. Qualquer curso de educação a distância, seja no ensino superior ou técnico, vai obrigatoriamente trazer para o aluno essa possibilidade de criar de maneira mais independente o seu conhecimento. Esta característica é interessante, pois estamos em uma sociedade que não admite mais apenas formar o estudante na graduação ou no técnico. Temos que oferecer a esse aluno a possibilidade de ser um estudante para toda a vida, porque as profissões se redefinem. Estamos num momento quase assustador do ponto de vista da quantidade de informação e de conhecimento que são adquiridos a cada momento. Mas é necessário ter vários elementos para possibilitar essa transição. O material didático da educação a distância tem que ter uma linguagem dialógica para oferecer ao aluno essa possibilidade de ir conquistando essa autonomia. Outra coisa importante é oferecer ao aluno um tutor presencial, desenvolvendo nele essa capacidade de transpor essa barreira difícil.


O senhor citou no início da entrevista algumas experiências positivas do ensino a distância. Por que, ainda hoje, há tanta desconfiança em relação à modalidade?


Bielschowsky: O Brasil entrou tarde na educação a distância e essa cultura ainda está se estabelecendo, tanto no setor público, como no privado. No público temos a Universidade Aberta do Brasil, que agrega as experiências que já estão acontecendo. Neste ano, teremos cerca de 50 mil alunos nos cursos de graduação, em 260 pólos regionais em todo o Brasil. Neste momento estamos lançando um novo edital, para a criação de mais 60 pólos, com uma oferta de 80 mil novas vagas, nos cursos de graduação e especialização. Esses alunos farão um curso rigoroso e irão para o mercado de trabalho em posição de destaque. A realidade vai impor à cultura essa nova verdade. Por outro lado, os cursos de educação a distância não são feitos só pela internet. O modelo brasileiro implica aos alunos um local para ter um respaldo no que ele precisa para estudar. Este modelo mostrará para a sociedade que não é um curso onde o aluno recebe uma carta, preenche e devolve pelos Correios, estudando apenas por um manual.


A intenção é fazer com que a EaD atue, cada vez mais, na área do ensino técnico e profissionalizante?


Bielschowsky: Temos dois objetivos: abrir caminhos para os alunos e profissionalizar os estudantes no que tiver uma maior demanda local. Podemos fazer uma oferta temporária. Por exemplo, se temos uma região de Minas Gerais onde vai ser instalada uma empresa, que necessita de técnicos de soldagem, podemos fazer um curso temporário para atender essa demanda. Essa necessidade vai mudando e as áreas dos cursos técnicos serão definidas, para que os jovens saiam do ensino técnico direto para trabalhar.


É possível traçar algum paralelo entre a E-Tec e a Universidade Aberta do Brasil?


Bielschowsky: O maior desafio deste projeto é ter inequívoca qualidade acadêmica. É uma das metas mais importantes dos dois programas. A outra é ajudar a transformar a sociedade brasileira, que precisa de professores para auxiliar essa transformação. E a Universidade Aberta do Brasil tem esse objetivo de formar os professores para melhorar o ensino básico, que ao crescer vai transformar a realidade brasileira. No ensino técnico buscamos formar técnicos de alto padrão e encaminhá-los a uma profissão.


Quais são seus principais projetos e desafios à frente da Secretaria?


Bielschowsky: Nós temos quatro ações principais, que envolvem as três esferas do governo: a Universidade Aberta do Brasil; o Ensino Técnico a Distância; a Implementação da Informática nas escolas de ensino básico, com uma meta até 2010 de que todas as escolas públicas do Brasil tenham laboratórios de Informática - não apenas a estrutura, mas também a capacitação dessas pessoas -; e a Contribuição no processo de ensino a distância no Brasil. Se uma universidade pretende oferecer educação a distância, ela deve se credenciar no Inep, na minha Secretaria. Portanto, é muita responsabilidade e estou muito honrado com o pedido do ministro para participar dessa ação. E animado com esses projetos, que podem ajudar a educação brasileira. Os mil pólos, que pretendemos oferecer, possibilitarão a descentralização da oferta do ensino superior no país.


O senhor esteve à frente das ações do Cederj, que é uma das pioneiras no ensino a distância no país. Que balanço faz dessa iniciativa?


Bielschowsky: É importante pensar que este é um dos modelos que podemos seguir. Hoje o Cederj, gerido através da Fundação Cecierj, tem 23 pólos regionais no Rio, 20 mil alunos de graduação, 11 mil estudantes no pré-vestibular social e 5 mil no curso de extensão. Com tudo isso, não abriu mão da qualidade acadêmica. Os alunos estudam muito e uma das provas é que os estudantes do Consórcio que fizeram concurso para professores do estado passaram nas primeiras colocações. As universidades que fazem parte do Consórcio e o governo federal estão otimistas quanto a esse sistema. O que vejo pela frente é a oportunidade de oferecer mais cursos de graduação, e a abertura de outros pólos. O futuro desse Consórcio vejo como uma expansão, com muito cuidado com a qualidade acadêmica.


Alguns especialistas criticam o programa, sobretudo devido ao número de inscritos, que é considerado baixo. Qual é a sua opinião a respeito?


Bielschowsky: Em resposta, eu pergunto o seguinte: no vestibular feito em janeiro eram 3 mil vagas, para 20 mil candidatos, numa relação de candidato por vaga de quase sete para um. Um dos pólos teve a relação de candidato por vaga de 29. Podemos considerar isso um número baixo? A relação de candidato por vaga média é de 7 para um curso de licenciatura - não é menor do que uma relação dos cursos presenciais. Portanto, essa crítica é totalmente infundada. Pelo contrário, acho uma covardia oferecer uma carreira, como de Ciências Biológicas, de 29 para um. É preciso ter mais vagas e mais ensino superior de qualidade. De fato, às vezes, temos alguns cursos com uma relação baixa de candidatos por vaga, sobretudo em municípios pequenos.


Uma das dúvidas sobre o EaD é em relação ao sistema de avaliação dos estudantes. Já há um consenso sobre o modelo ideal?


Bielschowsky: A avaliação tanto na Universidade Aberta quanto no ensino técnico é a mesma daquela praticada no educação presencial. Os jovens terão a possibilidade de fazer trabalhos, como os estudantes do ensino presencial, e depois farão as provas formuladas pelos professores da universidade, ou do Cefet, no caso do ensino técnico. Os aprovados recebem o mesmo diploma.


Num recente evento realizado na Uerj - Universidade Nova ou ensino a: decifra-me ou te devoro - sobraram críticas ao ensino a distância, inclusive, de alguns que cursam pedagogia nesta modalidade. O senhor acha que isso representa resistência?


Bielschowsky: Em primeiro lugar, os alunos têm uma grande dificuldade de passar do ensino presencial para o semi-presencial. No entanto, temos um conjunto enorme que já passou do primeiro ano, e que adorou este modelo. É óbvio que um processo desses, ao se expandir, pode não acompanhar os anseios do público alvo. E isso precisa ser analisado.
Neste evento, o professor Roberto Leher, da UFRJ, se mostrou preocupado com a expansão desenfreada do ensino a distância do governo Lula. Ele chega até a cogitar que existe um processo em curso, de substituição da tradicional graduação pela EaD. Afirmou ainda que, em geral, os alunos provenientes desses cursos sofrem de uma "fragilidade conceitual gritante".


Como o senhor vê essas críticas? Acredita mesmo que a EaD vá substituir a graduação presencial?


Bielschowsky: Não recuamos nem um milímetro da qualidade, que é fundamental tanto no ensino presencial, quanto no ensino a distância. No entanto, não se pode ter preconceito com mecanismos de qualidade que tragam o crescimento do país. E eu faço, novamente, o convite ao professor para conhecer os pólos regionais no Rio, em Mato Grosso, ou Natal. Porque lá ele vai encontrar uma realidade de docentes com alta qualificação, com mecanismos que estão sendo construídos pelas universidades públicas.


Qual o futuro da educação a distância no Brasil?


Bielschowsky: Estamos vivendo um momento da história muito interessante, onde as novas tecnologias vão se impondo como instrumentos positivos - temos videoconferência e ensino virtual. Mas, ao mesmo tempo, elas têm uma limitação muito grande. Isso não tem valor nenhum se não houver um processo acadêmico consistente por trás. Por isso, as pessoas acham que educação a distância é sobre novas tecnologias. E não é isso. Ela só terá qualidade com docentes de alta qualificação envolvidos neste processo. As novas tecnologias, na verdade, estão entrando e sendo utilizadas na educação a distância - e também no ensino presencial. Nos Estados Unidos, quando o aluno entra na instituição, faz uma disciplina presencial ou a distância, de acordo com a sua necessidade naquele momento, e continua sendo aluno da universidade. O projeto de construção do conhecimento e autonomia do aluno será uma peça importante para a educação a distância. Acho que é difícil prever o futuro, mas posso dizer que há uma tendência mundial de utilizar essas novas tecnologias. Para os alunos que pretendem fazer parte da Universidade Aberta é preciso ter muita dedicação. E, no fundo, essa pessoa terá uma formação equivalente à presencial.


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